O Brasil está em chamas. Não com fogo visível, mas com a combustão lenta de um modelo econômico suicida, encharcado de ganância e embalado em discursos falsos de progresso. Entre os criminosos ambientais travestidos de desenvolvimento, um dos mais insidiosos se esconde sob o verde das folhas e a falsa imagem de floresta: o eucalipto. Ele não ruge como um motor de mineração, mas destrói com a mesma voracidade – ou talvez pior – porque engana os olhos e ludibria o senso comum.
Se a mineração arranca montanhas com dinamite e transforma rios em lama, o eucalipto mata em silêncio. Ele é o “vampiro vegetal” do Cerrado e da Mata Atlântica, uma espécie exótica – leia-se: invasora – que foi trazida para o Brasil não com fins nobres, mas para alimentar a cadeia produtiva da celulose, do carvão vegetal e da especulação fundiária. Não há nada de natural em plantar fileiras e mais fileiras da mesma árvore, que seca o solo, devora a biodiversidade e empobrece a terra por gerações.
Em Minas Gerais, o cenário é grotesco. A monocultura do eucalipto já arrasou vastas áreas do norte do estado, empurrando comunidades inteiras para a miséria hídrica. Imagine um lugar onde a água desaparece, onde o rio vira memória, onde o poço seca. Isso não é ficção distópica, é o cotidiano do Jequitinhonha e de tantas outras regiões onde o deserto verde se alastrou como um câncer vegetal.
Chamar essas plantações de “florestas” é uma ofensa à inteligência. Não há fauna, não há diversidade, não há vida de verdade ali. É uma floresta tão morta quanto um campo minado. Basta caminhar entre as fileiras de eucaliptos e perceber o silêncio: não se ouve o canto dos pássaros, o zumbido de insetos, nem o sussurro do vento em folhas variadas. Há apenas repetição, estagnação, e uma sede monstruosa que suga até a última gota dos lençóis freáticos.
A água, esse bem sagrado e cada vez mais escasso, é drenada dia e noite por raízes que se estendem como garras invisíveis. O eucalipto não espera a chuva, ele cava fundo, seca a terra e transforma nascentes em fantasmas. É como se o solo estivesse em constante hemorragia. E o que o poder público faz? Aplaude, subsidia, e fecha os olhos, como quem vê uma criança brincar com fósforos ao lado de um galão de gasolina.
A monocultura do eucalipto não é apenas ambientalmente assassina; ela é socialmente cruel. Terras que antes sustentavam comunidades com agricultura familiar, com lavouras diversas, agora se tornaram territórios controlados por grandes empresas. E o mais revoltante: essas empresas ainda se vendem como sustentáveis, fazendo marketing verde com folhas envenenadas.
Estudos acadêmicos, denúncias de movimentos sociais, vozes de agricultores atingidos… tudo isso já foi dito, gritado, publicado. Mas o lobby da silvicultura é poderoso. Eles têm dinheiro, advogados e políticos no bolso. Enquanto isso, o povo bebe água com gosto de terra, quando consegue beber alguma. Crianças crescem sem ver um rio, e idosos morrem sem colheita. A fome e a sede caminham lado a lado com esses desertos verdes.
E há ainda o cinismo da exportação. Grande parte do eucalipto vira papel para mercados internacionais. Ou carvão vegetal para alimentar fornos siderúrgicos. Estamos secando nosso país para exportar fumaça, papel higiênico e barras de ferro. É o colonialismo de sempre, só que agora com árvores clonadas.
Não há como falar em emergência climática no Brasil sem atacar frontalmente o modelo de silvicultura. O eucalipto, aliado à mineração e ao agronegócio predatório, forma a tríade da destruição. Juntos, esses setores concentram terras, destroem biomas e aceleram a espiral de eventos extremos que já estão castigando o país. O Rio Grande do Sul alagado, o Nordeste ressecado, o Sudeste encoberto por fumaça e poeira: tudo isso é consequência de um pacto com a morte, assinado em nome do lucro.
E se alguém ainda duvida, basta olhar para os mapas de cobertura vegetal e disponibilidade hídrica. Onde há eucalipto em larga escala, há menos água, menos vida, menos futuro.
É preciso romper o silêncio e a covardia. É preciso nomear os culpados, expor os interesses por trás das campanhas “sustentáveis”, responsabilizar empresas e governos. Chega de paisagem verde que mata por dentro. Chega de floresta de mentira.
É hora de arrancar essas máscaras de celulose e mostrar o rosto apodrecido de um modelo que nos empurra para o abismo. Porque o eucalipto não é progresso. É retrocesso travestido de floresta. É um túmulo de raiz funda, enterrando nossos rios, nossa gente e nosso futuro.